Juros altos nos EUA impõem mais renda fixa, mas com “pitada” de ações, diz estrategista do J.P Morgan

A alta veloz das taxas de títulos longos dos Estados Unidos levou apreensão aos mercados ao redor do mundo nos últimos meses. Mesmo com o estresse, o rendimento do papel americano de dez anos próximo de 5% ao ano abre portas para aumentar a exposição em renda fixa, especialmente nos EUA.

A avaliação é de Gabriela Santos, estrategista-chefe para as Américas do J.P. Morgan Asset Management. “As taxas estão chegando perto do teto de 5% e esperamos uma normalização mais para perto de 3,75%. Ainda tem oportunidade de capturar esses juros e de se beneficiar de uma certa apreciação de preços [dos papéis]”, observa a brasileira, que trabalha no escritório da casa em Nova Iorque.

Em visita rápida ao Brasil, Santos conversou de forma exclusiva com o InfoMoney. No bate-papo, a executiva evitou dizer quando as taxas longas americanas poderiam normalizar, mas destacou que uma parte do movimento rápido de subida foi técnico e que ele já parece ter se estabilizado.


As perspectivas também estão menos pessimistas para as ações americanas, diante da resiliência corporativa das empresas. Hoje, a casa possui uma alocação neutra no mercado acionário dos EUA, mas a estrategista avalia que “não há razão” para estar pouco alocado.

Após meses difíceis, a expectativa da casa é que os balanços de empresas americanas apresentem o primeiro trimestre de crescimento de lucro, com uma alta em torno de 1%, segundo o consenso de analistas.

Já ao falar sobre o Brasil, a executiva destacou que emergentes não devem ver a volta de maior fluxo para os mercados enquanto não houver estabilidade nas taxas longas nos EUA. No entanto, destaca que os estrangeiros têm mostrado interesse especial na renda fixa soberana (títulos públicos) em moeda local brasileira, além da mexicana.

Confira os principais trechos da entrevista:

InfoMoney: Tivemos uma forte abertura das taxas longas nos Estados Unidos e uma intensificação do conflito Israel-Hamas nos últimos dias. Como vê esse cenário de maior aversão a risco?


Gabriela Santos: Desde o final de julho, o evento mais importante para os mercados tem sido a abertura das taxas longas nos EUA, com as taxas de dez anos subindo quase 80 bps [pontos-base] e gerando volatilidade. Na nossa perspectiva, muito do movimento tem a ver com um prêmio de risco e com uma discussão mais ativa nos EUA e na Europa sobre como equilibrar a oferta de dívida com o déficit fiscal e uma demanda diferente de investidores de títulos, que precisa agora ser absorvida internamente e que demanda certo prêmio de risco. Não é mais tanto uma demanda de bancos centrais e estrangeiros.

IM: Já há muito prêmio de risco?

Santos: Com as taxas de 10 anos chegando a quase 5%, estamos perto de um certo teto e vemos como oportunidade de aumentar a exposição em renda fixa, especialmente americana, para capturar essas taxas. E eventualmente, ter ganhos quando elas normalizarem um pouco mais. Esperamos uma normalização mais perto de 3,75%. Ainda tem oportunidade de capturar esses juros e se beneficiar de uma certa apreciação de preços.

IM: O que precisa ocorrer?

Santos: Uma parte do movimento de subida tem um certo componente técnico por trás. Investidores de renda fixa que tinham aumentado a duration [prazo médio em que o investidor recolhe os rendimentos] começaram a sofrer perdas e decidiram diminuir um pouco esse prazo. Isso estava por trás de dias em que vimos as taxas subirem 20 bps [pontos-base]. Não dá pra explicar isso apenas por fatores macroeconômicos. É mais um fator técnico. Mas, se olharmos a posição hoje, esse movimento parece que já passou. O fator técnico começa a ficar um pouco mais estável.

O ponto é que para outros investidores começarem a investir nos títulos é preciso ter uma perspectiva mais clara de que o Fed [Federal Reserve, banco central americano] terminou de subir juros e que há cortes no horizonte. Achamos que, nas reuniões de novembro e dezembro do Fed, será possível ter uma perspectiva mais clara sobre se as condições financeiras estão apertadas o suficiente pelo aumento do juro e também pela subida das taxas longas. Outro fator que ajudaria é sentir que já tem prêmio de risco suficiente para essa discussão de maior oferta de dívida, e ter uma perspectiva mais clara de que o líder dos Republicanos na Câmara vai votar o novo Orçamento. Isso ajudaria no lado fiscal.

Esperamos uma normalização mais perto de 3,75%. Ainda tem oportunidade de capturar esses juros e se beneficiar de uma certa apreciação de preços

IM: Economistas estão menos confiantes de que terá uma recessão nos EUA. A casa compartilha da visão?

Santos: Os dados de mercado de trabalho têm sido melhores do que estávamos esperando. Teve uma normalização do ritmo de contratação, mas não teve um colapso. As companhias estão mais confiantes do que estávamos esperando. Isso é crítico para consumo. As empresas também não estão sendo muito impactadas pelas taxas mais restritivas, porque emitiram dívida de longa duração com taxas fixas. Achamos que a probabilidade de uma recessão começar nos próximos 12 meses diminuiu e colocaríamos essa chance abaixo de 50%. Reduziu, porém segue elevada na comparação com o normal, que é de 20%. Existem riscos. Uma recessão não está cancelada. Vai depender da evolução do consumidor, que está normalizando o ritmo de consumo.

IM: Otimismo maior também com a temporada de balanços nos EUA…


Santos: Entrando na segunda metade do ano passado, falávamos de uma possível queda de lucro de 10% a 15% e tivemos três trimestres de recuo próximo de 4%. Tem sido “menos pior do que o esperado”. Parece que estamos do outro lado dessa recessão, ou seja, voltando a subir. A expectativa é que seja o primeiro trimestre de crescimento de lucro e que fique em torno de 1%, segundo o consenso. Oito dos 11 setores devem registrar alta nos lucros agora.

O crescimento da receita está mais resiliente do que o esperado, a demanda é positiva e devemos ter surpresa nas margens influenciada pela habilidade das empresas em repassar o custo para o consumidor final, investir em maneiras de ser mais produtiva ou de cortar custos.

As empresas também estão ganhando dinheiro com a dinâmica de juros. Elas não sentem do lado da dívida e estão colocando o fluxo de caixa em “caixa”, que está pagando 5,5% [ao ano]. Mas não é óbvio o crescimento de lucro. Tem que focar em qualidade, quais companhias possuem resiliência de lucro e menos endividamento. Importante focar também em valuation [preço]. Tirando as 10 maiores do índice [S&P 500], vemos valuations razoáveis, a depender da companhia.

[Os balanços] têm sido “menos piores do que o esperado”. Parece que estamos do outro lado dessa recessão, ou seja, voltando a subir.

IM: Como está a alocação em ações americanas?

Santos: Mais neutra. No contexto de taxas reais positivas, não é óbvio sobrestimar ações. Há uma outra opção, que é a renda fixa. Mas não tem razão para estar pouco alocado em ações por causa dessa resiliência corporativa. Já nos mercados fora dos Estados Unidos, estamos entusiasmados com Japão e Índia.

IM: Emergentes têm visto fluxo de saída de estrangeiros. Como estão as perspectivas?

Santos: Com o aumento das taxas longas, todos os emergentes têm visto saída de fluxo. São dez semanas consecutivas. Há uma certa aversão a risco, mas não são saídas como tínhamos visto no passado. A entrada de fluxo para emergentes ainda está positiva, mas há mais aversão ao risco, na margem. Quando tivermos essa estabilidade nas taxas longas, achamos que o fluxo volta para renda fixa e ações emergentes. Temos visto interesse do estrangeiro em renda fixa soberana em moeda local, especialmente do Brasil e México. Já no mercado acionário, temos tido muito interesse no México com o friendshoring [priorizar parcerias estratégicas entre empresas de países próximos para fortalecer a cadeia de suprimentos]. O País está do lado do consumidor americano e oferece custos mais baixos de produção. Há muito investimento no norte do México para tomar proveito dessa oportunidade.

IM: E com relação ao mercado acionário brasileiro?

Brasil é um tema diferente. Não envolve a reorganização das cadeias de produção. É mais um tema de taxas de juros reais atrativas e valuations descontados para o mercado acionário. Também há uma perspectiva de maior resiliência em termos macroeconômicos.

Fonte: Infomoney