Fundos multimercados demoram para atrair cotistas de novo

O retorno dos investidores para as aplicações financeiras de maior risco está devagar porque depende do ritmo de queda dos juros, da oferta de títulos de renda fixa isentos de Imposto de Renda e da performance dos fundos multimercados, conforme analistas e gestores


Após o ciclo de cortes de juros começar em agosto, a expectativa era que os investidores retornassem para as aplicações financeiras de maior risco para ganhar maiores rendimentos, começando pelos fundos multimercados. De fato, a debandada se estagnou nesses produtos, mas os cotistas estão demorando para voltar para os fundos multimercados com força, por um combinado de fatores.

Os fundos multimercados podem apostar em altas e baixas de ações, juros, moedas e commodities, no Brasil e no exterior. Em agosto, essa indústria chegou a receber a maior aplicação líquida (descontando os resgates) em um ano e oito meses, pelo menos. Esses produtos registraram aportes líquidos de R$ 9,11 bilhões, o maior montante desde que a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados (Anbima) disponibiliza essas informações, a partir de janeiro de 2022.

Apesar disso, essa captação líquida positiva ainda não representou uma virada de mão dos investidores para os fundos multimercados. Em setembro, esses produtos tiveram mais retiradas do que entradas, alcançando saída líquida de R$ 11,86 bilhões. No ano, os resgates líquidos atingem R$ 57,02 bilhões, botando a classe em primeiro lugar no ranking de maiores retiradas líquidas entre os fundos de investimentos.

Em boa parte dos fundos multimercados, os saques pararam, mas as aplicações em massa não retornaram. “Conversando com os gestores, boa parte conta que o fluxo de investidores está bem menos negativo, mas não voltou”, afirma Alexandre Costa, analista de fundos de investimentos da casa de análises financeiras Empiricus.

A migração para os fundos multimercados está devagar porque depende de três fatores principais, de acordo com especialistas: do ritmo de redução de juros, da oferta de títulos de renda fixa isentos de Imposto de Renda e da performance dos fundos multimercados.

Apesar de estarem mais baixos, os juros ainda estão altos e os analistas e gestores esperam uma maior movimentação para os fundos multimercados apenas quando a taxa Selic cair para baixo de 10% ao ano, o que deve acontecer até o fim de 2024, segundo as previsões do mercado coletadas no Boletim Focus.

“Os investidores pessoa física assumem que não devem se mexer enquanto ainda são bem remunerados na renda fixa. Então, enquanto os juros continuam acima de dois dígitos, eles seguem com o pé no freio em aplicações financeiras de maior risco”, diz Costa. “Quando a taxa Selic cair para baixo de 10%, veremos um maior interesse pelos fundos multimercados”, acrescenta.

Ricardo Cará, gestor de fundos multimercado da EQI Asset, acha que os cotistas devem retornar no primeiro trimestre de 2024, quando acredita que os juros recuarão para baixo de 10%.

“Para começarmos a melhorar, primeiro precisamos parar de registrar resgates, o que está acontecendo agora. Esse processo é longo e não acontecerá de um mês para o outro”, diz. “O investidor começará a fazer o movimento de realocação quando não tiver 1% ao mês garantido no conforto da renda fixa”, acrescenta.

Analistas e gestores ainda afirmam que os cotistas devem retornar para os fundos multimercados quando a oferta de títulos de renda fixa isentos de Imposto de Renda, como as letras de crédito do agronegócio e imobiliário (LCAs e LCIs), diminuir. As pessoas resgataram os recursos dos fundos de investimentos para comprar esses ativos, cujo estoque aumentou 22% de janeiro a junho, para R$ 976,7 bilhões. Contudo, agora os bancos estão chegando nos limites de emissão, porque dependem do crédito concedido na outra ponta.

“Quando vencerem os prazos dos papéis de renda fixa emitidos pelos bancos, o dinheiro dos investidores voltará para os fundos multimercados”, afirma Renato Santaniello, chefe de soluções de investimentos da Santander Asset. “Pode levar alguns meses, mas a perspectiva é do fluxo aumentar para os fundos multimercados. É um processo natural”, diz.

Além disso, o desempenho a desejar dos fundos multimercados está atrasando o retorno das pessoas para esses produtos, dizem os especialistas. O Índice de Hedge Funds Anbima (IHFA), indicador de referência dos fundos multimercados, acumula alta ao redor de 5% neste ano, abaixo do CDI, indicador de referência dos investimentos em geral, que avançou em torno de 10% nesse período.

“Acompanhar o desempenho passado para decidir investir é o jeito errado de alocar, mas ainda é o que boa parte dos cotistas faz e isso acaba atrasando o retorno dos investidores”, afirma Luiz Felippo, analista de fundos e sócio da casa de análise de investimentos Nord Research. “Se a performance dos fundos multimercados estivesse extraordinária, talvez a captação estivesse melhor”, diz.

Ele aconselha que os investidores tenham fundos multimercados na carteira independentemente do momento, focando em um horizonte de três anos. “O investidor deve pensar no portfólio como um jogo de xadrez, em que ele não usa sempre a mesma peça. Os fundos multimercados cumprem um papel importante de diversificação”, afirma. “Os bons gestores estão trabalhando mesmo quando nada acontece”, diz.

Carlos Carvalho, gestor de fundos da Kínitro Capital, afirma que o ambiente econômico incerto no Brasil e no exterior dificultou a gestão no último um ano e meio, o que afugenta os investidores. “Estamos com dificuldade para identificar tendências macroeconômicas duradouras que tenham reflexo na performance”, diz. “O começo do governo novo causou muitos ruídos e, globalmente, há incertezas em relação à desaceleração das economias principais”, acrescenta.

Entretanto, ele afirma que o ambiente brasileiro começou a clarear com o arrefecimento dos ruídos e que, no exterior, mudou a percepção que a desaceleração econômica levará a uma profunda recessão neste ano. “Atualmente, o consenso no mercado é que pode ter recessão, mas ela foi adiada para o ano que vem, o que fez alguns fundos multimercados a desempenharem melhor. A expectativa é que o fluxo de investidores retorne”, diz.

Por Júlia Lewgoy, Valor Investe — São Paulo